O risco do animal: vocação do cinema, expressão dos bichos

Autores

  • Luís Fernando Moura Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Resumo

A dissertação investiga modos de inscrição e exposição cinematográfica de corpos de animais não humanos tendo em vista a vocação destas imagens para perturbar as distâncias modernas da relação entre sujeito humano espectador e objeto não humano do olhar. Em um intercâmbio com questões da filosofia contemporânea, o trabalho primeiro procura situar o problema histórico da aparição dos bichos no ambiente ocidental, mediante um cruzamento heu- rístico entre epistemologia, política e estética. Delimita e circunscreve, portanto, as noções de desaparição, reaparição, expressão e agência dos bichos, seminais à descrição do problema, para então localizar demandas e dilemas de uma produção de imagens e de fábulas que pretendam se deixar atravessar, ex- pressivamente, por estes que Jacques Derrida chama “completamente outros”. Reportando questões centrais aos Animal Studies a um cotejo entre filosofia política e teorias da imagem, a dissertação realiza em seguida um diálogo com a herança conceitual de André Bazin, no intuito de caracterizar uma vocação das imagens de cinema para inscrever agências de animais não humanos, aos modos de uma fenomenologia objetiva das imagens. Na segunda parte, o trabalho investiga estratégias de uma atitude cinematográfica em, diante dos corpos dos bichos, perseguir tal vocação fenomenológica. Para tanto, propõe os termos de uma pragmática da cena capaz de devolver os afetos das inscrições dos bichos nas imagens à fábula cinematográfica, tendo como proposição central a reivindicação de uma pragmática do encontro, calcada nos efeitos intensivos da cena e na perseguição de singularidades dos corpos filmados, sob o programa de ampliação de uma política das imagens a uma cosmopolítica das imagens. Por meio da análise dos filmes Animal político (Tião, 2016), As quatro voltas (Michelangelo Frammartino, 2010), In the dark (Sergei Dvortsevoy, 2004) e Bestiário (Denis Côté, 2012), tendo a encenação da voz e os modos de enquadramento dos corpos de bichos como operadores analíticos, a pesquisa busca descrever como certas sequências, cenas e planos configuram e reconfiguram distâncias entre olhar humano e corpos de bichos, instaurando jogos particulares entre o que se diz e o que não se pode designar facilmente, entre gestos de denominação e oferta de incertezas, entre escrituras e aberturas, entre formas de representação e efeitos de presença. Neste sentido, o texto delineia e contrasta os contornos expressivos daquilo que chama uma cena da alienação, na qual o olhar da câmera parece ser contaminado por uma ciência provisória do olhar dos bichos, restituindo-a sensivelmente na representação; e do que descreve como uma alienação da cena, com a qual a presença destes outros, afetando os modos de olhar do cinema, parece promover um esvaziamento simbólico das imagens, mediante a experiência de uma tensão entre ver e estar. O trabalho especula, enfim, em que medida tais figurações poderiam contrariar a fortuna epistemológica ocidental, propondo a empresa futura de uma historiografia das contrariedades composta nas imagens de cinema, em suas múltiplas tradições e tendências, uma vez no encontro com os outros de espécie. 

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Publicado

2017-02-01

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