A questão toponímica e a identitária da Beira e da Covilhã
Resumo
Tinham-nos pedido uma cronologia da serra da Estrela e o desvendamento dos segredos dos topónimos atuais mais importantes e dos que se perderam no tempo, mas continuam na bibliografia, a propósito dos Montes Hermínios, da Beira e da Covilhã. Tentaremos ir um pouco mais além até às questões da identidade que concernem sempre a forma como um povo se descobre a responder coletivamente aos desafios civilizacionais que lhe são colocados nos territórios onde habita e, portanto, com a sua história ou memória de processos, sucessos e fracassos, que é dizer, numa palavra, reflexão e, logo, mudança e futuro.
Desenvolvemos a ideia da formação de uma região da Beira, contemporânea do condado portucalense, junto às vertentes da Estrela, para norte, nos séculos XI e XII, a Beira Alta, com capital em Coimbra e polos em Seia, Viseu e Lamego; e para sul, quando Portugal já era Reino, a Beira Baixa, nos séculos XII e XIII, quando se formou o eixo da Guarda, pela Covilhã e pelo Fundão, até Castelo Branco e que se estendeu ao Norte Alentejano, pelas telúricas Portas do Ródão, redesenhando a antiga diocese egitaniense. Em particular, este eixo a nascente da Estrela chegou aos nossos dias pleno de virtualidades: económicas e institucionais, sociais, políticas, culturais e religiosas. A formação de uma Beira, a norte da Estrela, deve muito a algumas figuras como Fernando I de Leão (1037-1065) e D. Sesnando de Coimbra (1064-1091), aos Condes Portucalenses e à Bula Apostolicae Sedis de 1102, do papa Pascoal II, que garantiu a unidade da Beira, a norte da Estrela, por meio século ou seja até 1147, ao fazer tutelar todas as suas autoridades e instituições religiosas pela cidade do Mondego. Entre as instituições coimbrãs, o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra desenvolverá uma presença muito ativa na Covilhã, ainda evidente ao século XVI, pelos seus cónegos regrantes. Esta será complementada pelo bispo e pelo cabido da sé de Coimbra e, particularmente, pelos cistercienses de Maceira do Dão. A Beira Baixa e os seus dois polos urbanos matriciais, as antigas vilas da Covilhã e de Castelo Branco, devem muito ao rei D. Sancho, que mandou alguns dos homens da sua criação para a cidade serrana, colocou a Sé egitaniense na Guarda e deu um forte impulso à elite covilhanense feita de uma certa aristocracia concelhia ou nobreza vilã, também vinda de entre Sousa e Tâmega, a que já aludimos em outro espaço, e à Ordem do Templo, em termos de senhorialização e povoamento[1]. O conflito posterior havido entre aquelas elites e esta Ordem Militar permitiu, ao ser resolvido, a construção da ideia de cidadania comum, assinada na abadia de Santa Maria da Estrela, na Boidobra, em 1230, entre os moradores de Castelo Branco e os da Covilhã[2], que ainda hoje permanece válida e deve ser assumida como motivação do empenho de todos nas responsabilidades do desenvolvimento destes espaços fronteiriços do interior, do Douro ao Tejo, na formação de uma cidadania comum, que tratamos por “beiranidade”, apontando para valores de sentido positivo como o arrojo e a persistência, a generosidade e o voluntarismo, a frontalidade e a solidariedade, que os franciscanos aqui desenvolveram também durante séculos e rejeitando as manchas negativas como o desânimo, o fatalismo e a corrupção, a ganância e a prepotência e o servilismo, que ainda há.[1] Cf. «A Fronteira Beirã no tempo de D. Afonso Henriques. Algumas notícias covilhanenses» pub. in Atas do 2º Congresso Histórico de Guimarães, Vol. II/ A Política Portuguesa e as suas Relações Exteriores, Guimarães, Câmara Municipal de Guimarães e Universidade do Minho, 1997, pp. 201-221.
[2] ANTT, Gav. 18, m. 3, n. 30, pergaminho em bom estado que não foi transcrito e publicado nas Gavetas da Torre do Tombo, apenas sumariado e é aludido por Alexandre Herculano,
História de Portugal desde o começo da monarchia até ao fim do reinado de Affonso III ,- 8ª ed. definitiva, Paris e Lisboa , Aillaud & Bertrand, [ca 1875]. tomo IV, p. 340.
Referências
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