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  • Stellae* N. 1

Resumo

Apresentação da Stellae*
Revista de Arte

“Como é possível que a nossa vida, formada por sucessivos presentes que não têm dimensão, possa durar?”

Com esta interrogação, Eduardo Chillida (1994) inicia uma série de perguntas que culminam na necessidade de considerar a “não dimensão do presente” como uma condição de possibilidade da própria vida. “Considerar” reporta à faculdade de observar, olhar e apreciar através de um estudo crítico, examinar, ponderar, calcular, meditar e pensar, bem como olhar para si mesmo com atenção. 

Tais acepções que resultam da associação etimológica de “conjunto” (Lat. con) a “estrelas” (Lat. sidus), cuja posição relativa — constelação — definiria um destino, ampliarão o sentido com o Mensageiro das Estrelas (Sidereus Nuncius), esse luminoso texto em que Galileu alicerça na capacidade discretiva da observação a Ciência Moderna. Nessa senda se desenvolvem as mais ousadas expedições científicas, algumas oniricamente chamadas “viagens filosóficas”, com o propósito de recolher, descrever e estudar a fauna, a flora, a geologia, a água, o ar e tudo o mais que fosse digno de interesse, de que é exemplo paradigmático a expedição científica à Serra da Estrela, essa lendária “África nas alturas”, organizada pela Sociedade de Geografia em Agosto de 1881.

Não há melhor símbolo da ligação entre o céu e a terra que a Montanha, nem melhor metáfora para o conhecimento vivido que a viagem. O modo como o olhar se expande ou perde nos montes é sempre novo e diverso. As montanhas personificam essa batalha contra o horizonte que moldou o pensamento mítico, tanto no Oriente como no Ocidente. Cada serra é uma entidade que se constitui como fronteira específica e magnetiza um imaginário próprio, como bem exemplifica o desvanecimento da iconografia do Grão Cataio, quando António de Andrade atravessa os Himalaias, em 1624, feito comparável à travessia do Oceano, pelas dificuldades, mas também pelo deslumbramento, de que deu notícia nas suas cartas.

Nesse monumental romance de formação que nos inspirou, Thomas Mann demonstra que à medida que o mundo se torna mais ruidoso e veloz, a representação da Montanha Mágica vai cedendo terreno à muda apresentação ou à mera inscrição no que antes era um motivo e se torna progressivamente realidade. Tal fluxo predicativo conduziu-nos ao desejo de constituir uma plataforma capaz de articular três processos fundadores da moderna relação com o Mundo, precisamente com base no trinómio Arte, Cultura e Natureza, que serviu de mote às edições da Montanha Mágica* Arte e Paisagem de 2018 e 2019, cujos principais textos, matérias e linhas de força se compilam neste volume da Stellae* Revista de Arte, em alusão directa à Serra da Estrela, fazendo dela, uma vez mais, o ponto em torno do qual tudo roda, na voz de Torga.

Os textos e ensaios visuais ora publicados evocam a Paisagem, enquanto modo de ver e representar, mas também modo de ser, intimamente vinculado à fenomenologia e hermenêutica da criação artística, capaz de revelar ou projectar atributos do território, exaltando-os simbólica e poeticamente. Por outro lado, estes são contributos que discutem a relação dialéctica entre Natureza e Artifício, reflectem sobre os processos de transformação da Paisagem no tempo histórico, seus motivos e consequências culturais e ambientais. Tal como a MM*, esta revista faz a apologia da investigação baseada na prática artística, embora ciente das limitações na publicação de tão heterogéneos resultados de colóquios, ateliers, residências, exposições, performances, projecções e instalações in situ, cuja índole multimodal, intermediática e multisensorial não prescinde da experiência directa.

Stellae* Revista de Arte  é um projecto editorial de alcance internacional, sediado na Universidade da Beira Interior, Covilhã, que promove a dimensão cognoscte da Arte, ou seja, toma a Arte por investigação, seja esta de pendor mais prático ou especulativo, híbrida, interdisciplinar, transdisciplinar, multimediática, a-disciplinar ou mesmo indisciplinada.

Assim, a Stelllae* orienta-se para a exploração de poéticas criativas e do trânsito epistemológico resultante das dinâmicas de interacção, contaminação, significação e construção de sentido nas práticas artísticas, considerando a abordagem fenomenológica da Arte como investigação fundamental  sobre a experiência humana, não exluindo o seu rebatimento no ensino universitário e na sociedade.

Para tal, a Stellae* compreende uma plataforma de publicação online e uma edição impressa anual. A plataforma está desenhada para publicação de dois tipos de documentos: (a) textos teóricos e críticos originais, segundo o cânone académico, com revisão por pares, a disponibilizar em acesso aberto; e (b) projectos e ensaios artísticos no campo extenso das Artes Visuais e das Media-Artes, considerando também a relação destas com o Design, a Arquitectura e outras áreas afins.

Em paralelo, o Conselho Editorial convida artistas e investigadores cuja obra, metodologia ou processos denotem essa osmose entre a arte contemporânea e a investigação ou desenvolvam questões relevantes do espectro artístico, estético, cultural, académico ou mesmo político.

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Publicado

2020-12-10

Edição

Secção

Artigos